Introdução
Embora seja uma etapa completamente indispensável na cadeia produtiva de comunicação, o processo de especificação (ou briefing, mais comumente dito) é constantemente negligenciado, quando não totalmente desprezado, na hora de se desenvolver um projeto. Uma consequência comum disso são as refações (quando se ouve um “hm, não era bem isso” na mesa com o cliente) e uma perda de tempo e de recursos de ambos os lados. Se isso se repetir por vezes o suficiente, agências e clientes acabam entendendo que o processo de comunicação “é confuso mesmo” e normalizando o desperdício. Mas este problema tem solução e ela gera muitos resultados para todos os envolvidos, é o que vamos analisar no artigo a seguir.
O que é um briefing e em que parte do processo ele entra
Briefing Vs. Especificação
As palavras podem representar grosseiramente o mesmo tipo de processo: uma documentação que relata sobre um problema (neste caso, comunicação), aponta objetivos, levanta conjunturas e, eventualmente, propõe abordagens para solucionar o problema.
Em nossa visão, o problema fundamental da palavra briefing (que vem de “breve” em inglês) é a sua ânsia por brevidade. Dificilmente se soluciona um problema com breves descrições, com “bullets” pontuando as principais situações a serem resolvidas. Claro que trata-se do mesmo paradigma e, se utilizado atentamente, ele pode gerar resultados satisfatórios e específicos. O que chamo atenção aqui é para o risco de se “sobrevoar” o problema, quando deveria-se mergulhar nele.
Aqui trabalhamos com 2 documentos específicos, que são análogos ao briefing. O primeiro deles é Termo de Referência (TdR), que vem da reunião inicial com o cliente e se assemelha ao briefing. Nele tentamos desenhar o panorama em que o cliente se encontra e, de maneira macro, quais os problemas de comunicação a marca enfrenta e quais objetivos ela tem diante desses problemas. Ainda no termo de referência, incluímos objetivos SMART a fim de tentarmos ser precisos na resolução do problema e no tipo de abordagem que será utilizada. Também coletamos informações sobre as responsabilidades no projeto: quem gerencia, quem decide, quem assina, quem dá a palavra-final, a fim de garantir uma boa operação durante a execução.
Por mais “adequado” que esse documento pareça, e se assemelha muito com um briefing, ele ainda carece de profundidade, que só vai acontecer numa etapa de especificação.
Na especificação, você “desempacota” as informações. Isso porque uma elaboração mais completa do problema do cliente permite que as equipes desenvolvam soluções mais adequadas e robustas.
Matriz de informações de especificação
Pessoas
Quem compra este produto? E para resolver qual problema? Há algum valor social embutido na compra deste produto? Qual? Quem vai vendê-lo? Será em ambiente digital, offline, ou ambos? Como é a rotina de quem vende o produto? Qual o grau de conhecimento sobre o produto? Quem faz parte da cadeia produtiva? Quem é a cara do produto? Como essa pessoa se comporta? Por que foi escolhida para tal?
Mercado
No mercado onde o produto se insere, quem são os expoentes? O que eles vendem? Quem são os concorrentes indiretos? Se o cliente optar por uma alternativa a esta solução, o que ele estará comprando?
Solução
Que solução o produto oferece no mundo real? Como ele a viabiliza? Qual a experiência prática com o produto? Que jornada o cliente deve seguir para auferi-la? Quanto custa? Qual o custo-benefício da experiência? Como ele é percebido? Onde se encontra o produto e como adquiri-lo?
Respondendo a estas questões, começa-se a ter uma noção mais profunda do problema de comunicação a ser resolvido, o que permite que as soluções de comunicação amadureçam e realmente sejam relevantes e efetivas.
Um outro problema é coletar essas informações
As pessoas e as informações
Tudo na teoria parece fácil, não é? Se você leu o artigo até aqui, já imagina como são fluidas as reuniões de briefing, com as pessoas todas empenhadas em perguntar e responder e, acima de tudo, documentar as informações de maneira clara, objetiva e completa. Mas não. Como todas as atividades humanas, o processo de briefing exige tenacidade, paciência e atenção, pois pior do que nenhuma informação, é a informação equivocada. Pelo menos com nenhuma informação você sabe que precisa se instruir sobre algo.
Problemáticas do Briefing
Um dos principais problemas das coletas de briefing é a pressa e o otimismo. Com pressa, o entrevistador vai querer “voar” em direção ao final da entrevista, se dará muito brevemente por satisfeito com as informações (insuficientes) que coletou. Com o otimismo, é comum as pessoas acharem que o cliente tem clareza total sobre o que se está perguntando, sobre seu mercado, sobre as pessoas envolvidas e sobre a solução que se desenvolveu. Em poucas palavras “basta perguntar e obterei respostas”. De minha experiência, eu diria que isso é raro, pode ser que exista, mas esta análise se ocupa dos outros 99% por cento das ocorrências.
O mais comum é que as empresas e seus gestores tenham muitas tarefas, desafios e problemas para resolver, e seja pouco ou nenhum o tempo investido em se refletir sobre a problemática que ele quer resolver com comunicação. Tão comum quanto, é ele encontrar um atalho mental para julgar que o problema é simples (“o que eu preciso é de um folder, um bom site e tá resolvido”). Se você concordar com isso e simplesmente tomar notas, não está coletando um briefing. É papel de quem entrevista e colhe informações do problema de comunicação do cliente ser capaz de criar desafios, abstrações em cima de situações da empresa, a fim de testar ao máximo as hipóteses do cliente. Melhor isso em algumas reuniões do que descobrir, semanas ou meses depois, que o seu briefing estava equivocado e ter de refazer todo o trabalho.
Uma possível abordagem: Drilling e Resumo programático
Aqui desenvolvo uma hipótese que vem funcionando bem nos últimos dez anos. Ela bebe um pouco da teoria cognitivo comportamental da psicologia, com um pouco de técnicas de negociação. É um ciclo de duas fases, que você pode ir repetindo ao longo de sua entrevista de briefing.
Drilling (escavação)
O drilling serve para testar as informações, conhecimento e percepções do seu cliente acerca do negócio dele. Aqui você vai procurar as correlações que ele vê, e ir testando hipóteses enquanto isso.
Por exemplo:
CICLO I
Entrevistador:
Por que eu deveria comprar sua comida delivery?
Cliente:
Porque ela tem qualidade e preço baixo
Entrevistador:
E o que você quer dizer com qualidade?
Cliente:
Ingredientes fresquinhos, receitas caseiras e tudo preparado por gente com anos de experiência
Entrevistador:
E por que você acredita que seu preço é baixo?
Cliente:
Hm, porque um prato desses normalmente custa X (observe que aqui o cliente não cita uma pesquisa, ele tem uma “intuição”. )
Entrevistador:
E de onde você conseguiu essa cifra de preços? (Caso o cliente não tenha embasamento para a resposta, isso já é uma boa oportunidade para se aplicar uma pesquisa e testar esta hipótese.).
CICLO II
Entrevistador:
Quem são as pessoas que veriam na qualidade deste produto e no preço um atrativo e o comprariam?
Cliente:
Gente tipo eu e meus amigos, homens na faixa de tal idade, que trabalham o dia inteiro e pedem no trabalho.
Entrevistador:
Além dessas pessoas, quem mais compraria?
Cliente:
Por exemplo, a esposa de um amigo meu… (mais um sinal amarelo, pode ser que o cliente não tenha ainda feito um levantamento das pessoas que potencialmente comprariam o produto, e isso demande novamente uma pesquisa).
Resumo Programático
Depois de diversos ciclos de Drilling, provavelmente você já vai ter levantado um conjunto de informações razoavelmente consistente para a sua matriz. É importante deixar claro para o cliente quais informações você ainda vê como inconsistentes, e como se faria para esclarecê-las (pesquisa quali, quanti, leitura de documentação).
Ao final de alguns ciclos, é importante realizar um resumo programático, a fim de checar a estruturação das informações que o próprio cliente proveu.
Exemplo:
Entrevistador:
Então eu posso intuir que seu público é composto apenas por homens de tal idade, que trabalham o dia inteiro e estão em busca de receitas caseiras com ingredientes selecionados, e que o valor de X é mais baixo do que eles costumam pagar por esse tipo de produto no mercado?
Essa é uma hora muito importante, porque você dá a chance ao cliente de se revisar e corrigir as informações. Neste exemplo é provável que o público seja mais amplo, que compre por diversas outras razões, e que o preço não seja tão competitivo assim.
Então meu briefing não serviu para nada?
Vamos com calma. O ponto principal aqui é que é praticamente impossível que uma reunião de briefing, que não tenha documentação, pesquisa, análises prévias, vá gerar um briefing definitivo. Daí a importância de se mover para uma especificação mais robusta no futuro, que justamente incorrerá em pesquisas e entrevistas.
Mesmo com um volume importante de pesquisa e documentação, não é possível cobrir em amplitude e profundidade todas as informações de uma marca. Esse processo deve acontecer de maneira cíclica e constante, sempre aperfeiçoando as informações que já se tinha.
Isso não impede de que as coletas de informação gerem insumos eficientes para o desenvolvimento dos projetos. O mais importante é entender que esse processo nunca acaba e que a checagem cumpre papel fundamental na hora de se desenvolver um briefing, ela é uma apuração expressa, que também auxilia o cliente a refletir de maneira crítica sobre o próprio negócio “enquanto” responde às suas questões.
O produto/serviço visto como solução
Este tópico, por si, já dá um artigo inteiro. Mas é importante mencioná-lo aqui pois com esta perspectiva, o seu briefing muda de nível e, consequentemente, o projeto também. É comum, por distração ou falta de preparo, muitos profissionais verem apenas “a casca” do que estão planejando divulgar. Se você pensa que um webinar é apenas um curso, e uma cirurgia é apenas um procedimento médico, você provavelmente ainda está pensando dessa forma.
Na hora de coletar o briefing (para não dizer em todas as outras horas) é absolutamente indispensável pensar que o produto ou serviço transcende seu status material. O que isso quer dizer? Suponha por exemplo que você trabalha em home office e o cano do seu banheiro, bem em frente ao quarto onde você trabalha estoura. E começa regurgitar dejetos. Uma desgraça, não? Agora imagina que você vai ao Google e procura por um profissional que resolva o problema, e de todos, você encontre um anúncio “visitas de urgência em até 1h”. E este profissional lhe atende de maneira cordial, ouve o seu problema, chega no horário combinado e resolve tudo de maneira silenciosa, respeitosa e deixa o banheiro exatamente como estava antes. Ele lhe vendeu um cano ou lhe salvou horas de bem estar, produtividade, higiene para a sua casa? Imagine ainda que antes dele vir, ele já lhe passou uma faixa de preços, e que ficou tudo dentro do previsto.
Como todos já experimentamos, o comum é não se encontrar alguém que possa vir durante uma urgência, a pessoa não conseguir resolver tudo, fazer um serviço aquém do prometido e mais caro do que foi mencionado. Ambos os serviços são os mesmos, mas ambas as soluções são as mesmas?
Para não me delongar neste assunto, e para manter a conexão próxima do tema briefing, quero apenas chamar atenção para o seguinte: como deixar claro, apenas com comunicação, que o prestador de serviço 1 tem uma solução melhor (e que vale mais) do que o prestador de serviço 2? Taí uma tarefa do briefing. Com certeza, com as técnicas que levantei durante o artigo, você vai conseguir.
Conclusão
Não se pode negar que este é um tema longo, repleto de complexidades, e que merece atenção perene dos profissionais de comunicação. A reflexão principal aqui e a de que uma coleta de briefing é um processo de imersão, ativo, que exige curiosidade, dialética e técnica, além de excelentes capacidades de documentação. Ainda, uma visão do produto/serviço do ponto de vista de “solução” engrandece o briefing, a discussão com o cliente e, com certeza, a promoção do produto.
O que você acha? Se você considerou este conteúdo útil, compartilhe com quem você acha que vai precisar dessas informações, e vamos tornar os briefings (e as soluções) do mundo cada vez mais eficientes.
ilustração: Inara Cardoso